quinta-feira, 1 de abril de 2010

Testemunho: a triste realidade das AECs em Mafra

Recebemos um testemunho, enviado por um professor das Actividades de Enriquecimento Curricular em Mafra. É uma descrição pormenorizada da forma como a autarquia entregou um negócio simples e sem risco nem contrapartida ao Colégio Miramar. Mas, sobretudo, este testemunho evidencia a total falta de condições para o desenvolvimento das actividades, com claro prejuízo para as crianças, bem como a situação precária e ilegal em que trabalham os mais de 100 profissionais que asseguram as AECs no concelho de Mafra - mais uma vez, estamos perante o abuso dos falsos recibos verdes.

Esta pessoa pede-nos anonimato, referindo-se a situações anteriores em que alguns professores foram despedidos por reclamarem as condições a que têm direito. "Sem contrato, tudo vale, sabemos bem...", diz-nos para justificar a impossibilidade de assinar o texto que agora aqui partilhamos.

É um texto extenso, mas queremos divulgá-lo na íntegra. Basta carregar em "ler mais".



Muito se tem falado a nível nacional, quer nas estâncias superiores quer a nível local e de escola, da organização das Actividades de Enriquecimento Curricular. Estas actividades que permitiram a professores não colocados, profissionais a meio-tempo de outros ramos e outros licenciados que esperam melhores oportunidades nas suas áreas, leccionar numa Escola através de cujo serviço podem ir-se aguentando até ao ano lectivo seguinte.

Não nos queremos centrar na discussão acerca desta realidade a um nível macro, já que é ponto assente para muitos que o enriquecimento mencionado deveria conferir um acréscimo de actividade ao que já existe e não substituir o que não existe, tal como podemos observar nas disciplinas existentes como AEC.

Queremos sim centrar-nos no caso particular do Município de Mafra. Neste, ao contrário de outros municípios onde a situação atingiu níveis de alguma credibilidade e dignidade, a situação é gritante de tão precária que se apresenta.

A Câmara Municipal de Mafra adjudicou (por concurso!) a responsabilidade da organização destas actividades ao Colégio Miramar, uma escola privada. O Colégio Miramar, por sua vez, garante uma só pessoa para a coordenação de mais de 100 professores, limitando-se esta coordenação à organização dos horários, controlo dos pagamentos, o envio de um regulamento de 4 páginas a cada docente e contactos burocráticos com as escolas – ainda que as funçães desta coordenação sejam realizadas com bastante zelo por parte da pessoa em questão. Não exige qualquer outra coordenação, seja de escola ou de disciplina pedagógica. Assim, o professor que chega de novo a uma escola tem de fazer uso do bom e português “desenrascanço” para poder perceber qual a nova dinâmica em que se insere. Tem de aprender por si próprio quais os materiais que tem à disposição e quais as pessoas a que se deve dirigir.

Ainda que acreditemos que são todas as áreas efectadas pelo vírus da incompetência e falta de ética profissional por parte da administração das AEC’s, nenhuma atinge o patamar de incredibilidade a que se sujeitam os profissionais da actividade física e desportiva. Em pavilhões previstos para, no máximo, 3 turmas, chegam a trabalhar simultaneamente 8 (!). Nalgumas escolas como é o caso de Mafra, muito do material está fechado a corrente e cadeado dentro de um armário, não vá algum professor lembrar-se de o utilizar. Obviamente a não manutenção da sua arrumação é o pretexto utilizado, mas convenhamos que não é sequer viável garantir a utilização e arrumação do material desportivo de forma adequada no tempo previsto (antes e após cada aula), quando, primeiro, não se sabe qual o espaço que será distribuído a cada professor e, segundo, a necessidade de sair da instalação desportiva para ir buscar a turma do turno seguinte, ao que se junta o momento de troca de sapatilhas também dinamizado pelo professor em questão, nalgumas escolas realizada no próprio espaço de prática, apesar da existência de balneários com óptimas condições. Nao poderiam estas funçoes serem garantidas por funcionários da Escola?

A construção dos pavilhoes desportivos revela-se das mais anómalas conhecidas por todos os que por lá leccionam. Em Escolas que se dizem Modelo, não se poderá chamar acústica às péssimas condições sonoras do espaço, não há cortinas divisórias nalguns dos casos (o que no caso das 8 turmas simultâneas é sem dúvida um problema grave) e o material disponível mais parece ter sido pensado para uma Escola Secundária, demonstrando a ignorância relativa à realidade da actividade física e desportiva no 1º Ciclo. Mas, como estamos a observar, nao é por aí que nasce a queixa.

Sempre e quando falta algum professor, os alunos são distribuídos indiferentemente pelos professores de actividade física e desportiva (e normalmente só nestes por uma questao de espaço). Como se leccionar actividade física e desportiva a 30 alunos, 45 ou 60 fosse exactamente a mesma coisa também do ponto de vista da segurança de todos eles (com a agravante que os que são “distribuídos” apenas iniciarem a aula depois de esta já estar em funcionamento). No entanto, ao esforço a dobrar por parte dos professores que recebem os alunos “distribuídos” corresponde na mesma apenas e só uma hora de leccionação, á sua turma original, na mensalidade final.

Perante esta realidade não há planeamento, qualidade pedagógica ou disciplina que resista. Ainda que seja “proposto” seguir o programa do Ministério da Educação (no tal regulamento), obviamente que, nestas condições, cada um que o faça à sua maneira, já que não há grupo disciplinar ou escolar.

Nos horários com mais horas (12 a 18) chegam a estar marcadas aulas seguidas em diferentes escolas, como se fosse possível sair de uma às 16h30 para estar noutra distanciada quilómetros (situada noutra localidade) e começar a leccionar às 16h45 (voltando aos professores de actividade física e desportiva, contemos ainda com o tempo de direccção dos alunos até ao espaço, de mudança de sapatilhas, da montagem do material, da organização dos grupos, ...).

No caso dos professores das disciplinas leccionadas em sala de aula (expressões, inglês e ciências), há a contabilizar as fichas, fotocópias, actividades e materiais que utilizam que em muito boa parte deles sao subsidiados pelo próprio bolso.

Efectivamente, as questões económicas agravam ainda mais a questão. Aos 11 euros por sessão que é pago a cada docente (onde, felizmente, se podem incluir as reunioes), o Colégio Miramar ainda oferece a refeição de almoço. Mas, apenas e só, nas suas instalações (na Lagoa…) e não em qualquer outra onde, por exemplo, cada docente esteja leccionando.

Os pagamentos sao efectuados a recibo verde (ainda que em alguns outros munícipios haja contratos de 12 meses, em que os docentes sabem em princípios de Setembro qual a Escola em que vão leccionar todo o ano, com horário fixo, espaço determinado e participação efectiva na comunidade escolar) e deveriam ser efectuados entre os dias 12 e 15 de cada mês. Contudo, nunca chegam antes do dia 17, tendo havido mesmo casos onde demorou cerca de 10 dias a ser disponibilizado.

Os professores já têm fama e proveito de nómadas (neste caso isso está ainda mais claro, já que não apenas o são cada ano lectivo, como também ao longo da jornada escolar). Mas os professores responsáveis pelas AEC’s de Mafra vão mais longe, conseguem ser artistas de circo, para nao dizer bobos da corte.

No entanto, e no fim de contas, quem sai mais a perder com toda esta situação? Os alunos, pois claro!

Esta é a realidade daquele a que se denomina pelos responsáveis da Câmara, de peito cheio, um exemplo de “inovação educativa”.

1 comentários:

Anónimo disse...

Olá

Alguém já sabe o que vai acontecer no próximo Ano Lectivo no Concelho de Mafra? Segundo "consta" a Camâra demarcou-se da Responsabilidade das AECS.
Enquanto mãe, prestes a inscrever um filho na EB1 da Venda do Pinheiro, este testemunho vem apenas confirmar aquilo que todos há muito tempo já sabemos: Neste concelho as AECS nunca funcionaram bem. Se quiserem e puderem perder um pouco de tempo, perguntem-se porque será que, quem ganhou o Concurso Público para a prestação de Serviços de Actividades de Enriquecimento Curricular para o Ano Lectivo 2009/2010 foi o Colégio Miramar, aquele que apresentou o Valor Global mais caro (739.296,00€)? A diferença para a proposta mais barata é de aprox. 188.000€. Porque é que a responsável pelo pelouro da Educação na Câmara insiste em flexibilizar os horários das AECS com o argumento falacioso de que compensa os professores? Será possível que alguém acredite que interromper o tempo lectivo da manhã às 11h00 para ir para o Ginásio correr e saltar seja benéfico em termos pedagógicos? (Sim, porque que, tipo de estruturação pode um professor de desporto impor a 60 ou mais crianças ao mesmo tempo? por muito zeloso que seja). Quanto a mim, pedagogicamente a única coisa que faz sentido são as AECS das 15h30 às 17h30. Mas assim corre-se um risco maior de haver alguém que possa ir buscar a criança mais cedo à Escola, e lá se vai a comparticipação do Ministério da Educação...

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